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Um Elefante na Feira do Livro

  • Foto do escritor: Ulisses Duarte
    Ulisses Duarte
  • 16 de set. de 2021
  • 6 min de leitura

Atualizado: 17 de set. de 2021


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A empresa em que eu trabalhava, tempos atrás, foi contratada por um partido político para fazer um grandioso evento em uma capital brasileira. Uma solicitação bizarra nos foi exigida daquela vez. O contratante do evento queria a presença de um elefante grande, daqueles de mais quatro toneladas.

Devem perguntar: para qual propósito? Era uma metáfora bem excêntrica, demonstrar para os cidadãos que a máquina pública era muito pesada, assim como um elefante. Fiquei com uma grande encrenca para resolver: como encontrar um animal desse porte para participar de um evento político?

Através de contatos telefônicos (naquela época não existia a maravilhosa internet), fomos em busca de algum local que tivesse um elefante para “alugar”. Soube da presença de um elefante em um circo na região metropolitana. Fui até o circo, numa manhã, para falar com o proprietário.

Contei um pouco sobre o evento e de nossa necessidade urgentíssima. Pretendíamos levar o grande animal para um ato político em frente à Prefeitura daquela capital. No mesmo período, aconteceria uma grandiosa feira do livro de rua a poucos metros daquele ato. O elefante não iria chegar nem perto da feira, apenas ficaria por duas horas, no máximo, no largo da Prefeitura.

O proprietário do circo, primeiro fez uma ligeira careta e, ao ouvir toda a nossa proposta, caiu numa risada sarcástica. E disse:

- Você ficou louco?! Esse elefante não sai daqui por nada.

Retornei para a empresa com certo embaraço, depois daquela negativa por uma proposta grotesca. Após novo contato com os contratantes do evento, recebi um ultimato:

- Contrate esse elefante a qualquer custo, do contrário não faremos o evento com tua empresa!

No outro dia, retornei ao circo. O proprietário, quando notou minha chegada, logo me cortou:

- Eu já lhe disse que ninguém leva o meu elefante.

Então, perguntei ao homem:

- Qual a capacidade de seu circo para um espetáculo?

Ele respondeu:

- Temos três mil lugares disponíveis, mas raramente chegamos à lotação completa.

Foi a minha chance:

- Pelo aluguel de seu elefante, mais o domador que o acompanha, nós podemos pagar o preço de dois espetáculos com lotação total no seu circo.

- É pouco – afirmou o proprietário.

- Ofereço três lotações. Que acha?

O proprietário do circo deixou de sorrir, e passou a refletir sobre a bela proposta.

Esmiucei a ele que era apenas umas horinhas, tudo seria controlado, rápido e planejado. Além do pagamento de três lotações circenses, nós pagaríamos o caminhão jamanta para transportar o animal, e mais um grana extra para ele, por fora, e ao domador, o responsável pelo elefante auxiliar.

Ele se animou:

- Assim eu aceito. Negócio fechado!

No dia da apresentação do elefante, a jamanta só conseguiu um lugar adequado para descarregar a carga animal somente no setor final da feira do livro, bem distante do local combinado.

Foi difícil deslocar o elefante no Centro da cidade por várias quadras a pé e patas. Ao chegarmos até ao largo em frente à Prefeitura, isolamos o animal atrás de cercas de metal, daquelas utilizadas em festivais musicais.

O domador solicitou algumas piscinas de água, compradas com antecedência, para o animal matar a sede já que o dia estava quente. Havia um palco montado e a presença de um DJ que tocava músicas alegres antes dos discursos dos políticos. Após se saciar, o elefante incomodado com a festa animada que rolava entre os militantes, começou a jogar água para todos os lados. Parecia um forte chafariz giratório esguichando no público. O povo estava curtindo muito aquele clima em meio às suas bandeiras partidárias. Vibraram com as peripécias do elefante, mesmo encharcados.

Um pouco assustado, o domador veio me indagar se haveria alguma queima de fogos de artifício naquele ato. Eu disse que sim, mas que os fogos não eram de nossa responsabilidade. Ele nos alertou que temia pelo pior dos problemas, e explicou que os elefantes ficavam extremamente assustados com qualquer barulho ensurdecedor, e poderiam ter uma reação de desespero.

Preocupado, falei com os responsáveis pelos fogos de artifício, que estavam instalados na cobertura de um prédio bem alto. Acertamos um horário fixo para a detonação do material explosivo, meia hora depois da gente ter ido embora com o elefante.

No ato, uma longa sessão de discursos políticos inflamados, como se fossem alguns leões soltos numa selva de pedra, era intercalada por apresentações musicais banais. Nós só pensávamos no elefante e controlávamos o relógio.

Enfim, bateu o horário para a nossa retirada. Chamei o domador e dei o sinal para deixarmos o local; faltavam trinta minutos para a detonação dos fogos de artifício. Saímos do largo e chegamos à esquina de uma área pública com o elefante domado. Aquele local era uma entrada para a passagem de uma multidão que se dirigia até o outro grande evento que acontecia naquele momento, a tal feira do livro.

Havíamos combinado com o caminhão jamanta o nosso local de embarque numa rua lateral da feira do livro. O elefante, parado na esquina, fez amizade com algumas crianças que comiam pipocas dos carrinhos de rua. O elefante adorava pipoca. Ele abria a bocarra e a criançada animada jogava punhados de pipoca na sua enorme língua faminta. Ele mascava os flocos gosmentos e pedia mais.

Nosso planejamento inicial começou a ruir. Com a atraso do caminhão jamanta, o contratante do evento percebendo a nossa indefinição exigiu que o elefante retornasse até o ato político, já que o animal de várias toneladas havia se tornado a grande estrela da festa.

Alertamos ao dono do evento sobre o real perigo de manter o animal naquela hora. Ele, muito seguro de sua autoridade, nos afirmou que os fogos de artifício só começariam a explodir sob sua autorização. Tudo se tratava de uma grande mentira.

Ao iniciarmos o retorno ao ato, andamos cerca de duzentos metros quando o foguetório começou a estourar na atmosfera. Em poucos segundos, o elefante deu meia volta em torno de si, derrubou o domador que o guiava, e partiu em disparada em direção à rua principal da feira do livro.

O domador correu atrás do animal em fuga e, com uma vara longa orientada num ponto certeiro na enorme orelha do bicho, começou a gritar com o elefante num idioma que ninguém conhecia.

O elefante diminuiu a passada, e eu tentei ajudar o domador pegando no rabo do animal para fazê-lo frear. Péssima ideia. Fui arrastado para longe como um reboque sem a menor chance de vitória até ser arremessado no meio da calçada. As centenas de visitantes na feira do livro, assistindo a cena, começaram a abrir caminho para o elefante passar. Houve um princípio de corre-corre e bastante gritaria entre os stands de livros e os mostruários das obras literárias.

Para o alívio do povo reunido, o elefante parou exatamente no local onde havia sido alimentado pela criançada. O domador, ao passar por mim, ofendeu-me naquela língua incompreensível antes de conseguir conter a fúria do seu bichano. Notei que algumas pessoas deixaram para trás alguns objetos, que ficaram jogados na calçada: alguns livros amassados, pacotes com pipoca até a metade e até um pé de tênis usado. O domador controlou o elefante e o conduziu para uma rua adjacente ao avistar, finalmente, a chegada do caminhão jamanta.

Uma nova carga de explosivos foi detonada. O burburinho começou novamente. O elefante tomou uma linha reta em fuga e avançou até a uma avenida movimentada. Por sorte, um policial militar tinha percebido o problema minutos antes e havia paralisado o trânsito. O elefante, sem obstáculos, disparou até a um posto de combustível, derrubou algumas placas de rua e entrou na alameda onde estava estacionada a jamanta.

O elefante, atordoado com o foguetório que não parava, avançou para dentro da jamanta, que estava com a rampa de acesso baixada, retornando sozinho para dentro do mesmo caminhão que havia chegado. Impressionou a todos a capacidade que o elefante tinha de identificar o caminho de casa. A memória era realmente de um elefante. A jamanta arrancou e conseguiu sumir no horizonte, levando o pesado animal para o seu circo moradia.

Depois de todo aquele susto, voltei ao local do ato político. Ele já havia terminado. O contratante do evento não quis trocar comigo sequer um cumprimento pela jornada. Eu nunca mais fui contratado por ele. Nenhum novo contato eu tive com o proprietário do circo e muito menos com o domador daquele fatídico dia.

Algumas pessoas ainda se lembram daquela histórica feira do livro em que foi visto, aterrorizando as ruelas no Centro da cidade, um enorme elefante. Outros, achavam que esse fato se tratava de mais uma lenda urbana por alguém inventada em outros tempos. Por outro lado, aquela tal máquina pública pesada, está por aí para quem quiser acreditar nela. História vivida por Sidnei Oscar Duarte Texto e Revisão: Ulisses e Sidnei Imagem: Elephant https://br.freepik.com/fotos/arvore

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