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Klaus no Aeroporto

  • Foto do escritor: Ulisses Duarte
    Ulisses Duarte
  • 2 de set.
  • 4 min de leitura
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O voo para Brasília foi marcado às pressas. Klaus desceu do carro de aplicativo, acessou o saguão pela giratória. O painel do aeroporto marcava os voos daquele início de manhã. Checou a sua reserva, estava quase na hora de decolar. Aquele homem muito branco e desengonçado levava uma mala pequena, desajeitada, com rodinhas desalinhadas que riscavam o chão brilhante do saguão. Uma mochila nas costas repleta de apetrechos de viagem, o notebook a tiracolo, e o material bem embaladinho que carregava para a capital do Brasil na mala de mão.

Estava um pouco afobado, tentando segurar o nervosismo. Queria partir logo. Não iria despachar a bagagem. Havia ensaiado o discurso e o roteiro da viagem, tudo em português, uma língua bem difícil de aprender para ele. A mais complicada entre as quatro que sabia se comunicar.

  O passaporte estava numa das mãos, a expressão ensaiada de tranquilidade, com um sorriso de empatia bem brasileiro no canto da boca, a cara cheia de sardas expressava um sorriso estático, um tanto forçado. O Brasil era um país difícil de viver, de aprender a lidar com as diferenças culturais. Amava a informalidade, e a falta de sisudez dos trópicos. Seu país de origem era um país da retidão, da moralidade estreita, da pouca expressão corporal. Assim era o interior germânico, que ele já havia deixado havia muito. Nos últimos tempos, só tinha vontade de viver nos trópicos.

As máquinas de check-in estavam no fim daquele saguão cheio de pessoas, seus carrinhos, e funcionários bocejando no início da manhã. Tentou não olhar para os seguranças e não atrair demais à atenção. Sacou o ticket da máquina e caminhou com lentidão para a fila de inspeção das malas.

Passar pela revista dos agentes de segurança seria uma missão árdua, mais uma vez. Havia tomado um longo banho para evitar o odor próprio dos estrangeiros, já que suava frio. No Brasil, as pessoas tomavam banho todos os dias, às vezes mais de um. Não conseguia se habituar a esse costume um tanto exótico aos seus padrões.

- Bom dia senhor, coloque a mala na esteira, desafivele o cinto, algum objeto nos bolsos? – o agente de segurança do raio-x do aeroporto indicou a ação.

Klaus, em movimentos calculados, colocou a mala na esteira, tirou o cinto, a carteira do bolso e seguiu para cruzar o arco do detector de segurança.  O detector apitou. Outro agente de segurança mandou ele voltar. Levou alguns instantes para perceber que era mesmo com ele. Klaus checou os bolsos, havia esquecido de tirar a carteira do bolso. Desculpou-se pelo fato, e depositou o objeto junto aos seus pertences e rumou para o detector. Passou desta vez.

Ao fim da esteira, Klaus segurou a respiração. Sua mala ainda não havia passado pela fiscalização. O próximo minuto seria uma eternidade. Tirou o moleton, estava quente. A mala era a segunda da fila. Pegou o cinto que já havia passado pela máquina e começou a enlaçá-lo na calça, com calma. Colocou a carteira no bolso. Olhou lateralmente a mulher sentada em frente ao monitor do raio-x. Era uma mulher de meia idade, rosto simpático, batom vermelho e coque no cabelo. Tinha certeza que ela não haveria de complicar a sua vida.

A mulher deu uma olhada discreta para Klaus, a mala estava dentro do aparelho, uma espécie de ressonância magnética de objetos pessoais. A fila de malas não andava. A fiscal respirou fundo, olhou novamente para a fila, falou baixinho no rádio comunicador, e liberou a rolagem da esteira. A fila seguiu. Klaus agarrou a sua mala de mão e rumou para a sala de espera na zona de embarque.

Havia calculado chegar em cima da hora do embarque, não queria perder muito tempo na sala de espera para não dar bandeira. O avião iria partir em pouco tempo, o painel na saída do Free Shop indicava o seu voo na primeira linha: EMBARQUE IMEDIATO.

Visitar a capital do Brasil, ir à chapada goiana, passear no cerrado, ver paisagens novas, comer bem. Fazer a entrega da encomenda para o contato que seria indicado por e-mail na cidade de Ceilândia, ao lado de Brasília, ganhar alguns milhares de dólares e partir para o México o quanto antes. Esse era o plano de vitória pessoal. Já havia dado certo muitas vezes, esperava ser a última vez a praticar aquele ato que não o enobrecia. Queria voltar às praias calientes do Caribe, reencontrar suas namoradas latinas, comprar um carro e, de repente, rumar para os Estados Unidos: Los Angeles, Las Vegas, Chicago...

Klaus entregou o passaporte na área de embarque. A funcionária da companhia o cumprimentou, indicou o caminho da passarela que iria dar na porta de entrada do avião. Era o último passageiro a embarcar. Empurrou a mala de mão com cuidado, ajeitou a mochila no corpo, acenou para a comissária ao entrar na aeronave, “good morning lady”.

Sentou-se na segunda fila, corredor, bem perto da saída. O comandante do voo abriu o microfone e saudou a tripulação. Embarque finalizado. A porta se fechou. Klaus pegou a revista da companhia aérea no bolsão em frente à sua poltrona. Sonhou com as cachoeiras, as trilhas do Brasil profundo, a vida confortável da capital no planalto central.

A porta do avião se abriu novamente. Klaus estava distraído. Os comissários se reuniram junto à porta da aeronave, confabularam alguma ação e se aproximaram do alemão. Klaus tomou um senhor susto com os dois homens de preto em sua volta, crachás dourados no peito, exalando autoridade. Os comissários cochichavam logo atrás no corredor. Os passageiros do voo, boquiabertos, acompanhavam a cena.

O alemão tremeu de pronto, tentou levantar e foi contido por um dos homens. Como se saísse de um sonho para o pesadelo mais degradável em vida, ele ouviu o anúncio, quando o seu mundo desmoronou:

- Polícia Federal! O senhor, por favor, nos acompanhe...

 

 

Ulisses Correa Duarte

Rio de Janeiro, 29 de agosto de 2025

Imagem: Freepik

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