ELEVADOR
- Ulisses Duarte

- 4 de ago.
- 4 min de leitura
Atualizado: 5 de ago.

Cheguei um pouco atrasado para nosso encontro, que deveria ser o último dos poucos que tivemos. A vida tem indefinições que nunca cessam. Concordamos que precisávamos resolver nosso caso, de uma falta de compreensão mútua nos últimos tempos. Arrumei-me como para uma cerimônia religiosa, estava tenso. Seu prédio era lugar de tantas lembranças recentes. Apertei o seu número no interfone, sem falar qualquer coisa, a porta se abriu.
Passei pela portaria vazia. Caminhei por um longo corredor externo de arbustos, depois da entrada. Naquele condomínio, havia um belo jardim arrumado com cercas baixas e um aviso: “não pise na grama”. Segui por um caminho estreito com um pequeno lago onde ficavam os bancos de madeira, brancos, de nosso primeiro encontro. Foi onde tudo começou. O playground das crianças era no fundo, onde elas passavam o dia em suas constantes algazarras.
Avancei ao elevador.
Apertei o botão para chamá-lo. As portas se abriram, ele já estava estacionado no térreo. Entrei sozinho. Pressionei o botão do décimo primeiro andar. As portas se fecharam, o clique do aparelho começou a zunir forte, uma guinada para o alto me empurrou para o canto. No segundo andar, uma parada. Entrou um rapaz magro, com uma barba rala assim como eu, e um sorriso tranquilo. Ele me cumprimentou. Tirou da mochila alguns apetrechos de viagem, alguns objetos que pareciam de camping de final de semana. Sua jovialidade me levou a lembranças distantes de meus vinte e poucos anos; minha energia para viver os nem tão confortáveis finais de semana em barracas geladas. Ele acabou por descer no quarto andar, desejou-me baixinho um bom dia e esbarrou com sua grande mochila, sem perceber, numa senhora de idade avançada que entrava no elevador.
A senhora me olhou de cima abaixo, coçou os olhos com a mão livre da bengala, como se tentasse me identificar. Ela me era familiar. Andava com uma camiseta listrada amarrotada, e um óculos mal ajustado que orbitava seus olhos castanhos amarelados. Balbuciou algumas palavras mal resolvidas, como uma prece. O elevador subiu lentamente. Ela não parava de checar minhas expressões de apreensão. Ao sair do elevador, no oitavo andar, se despediu com palavras cheias de afeto: “fique bem, tudo vai passar”.
O elevador subiu. Passou pelo oitavo andar, e percebi que a luz redonda de indicação do décimo primeiro estava apagada. Apertei novamente com força. No nono, a porta se abre. Entram duas crianças novinhas. Elas festejavam o dia com um homem que as acompanha, que deduzi ser o pai. Ele as acompanha com cuidado e carinho, e arruma os balões de cores sortidas presenteado a cada um deles.
As duas crianças falavam sobre a mamãe, dizendo que não queriam ficar na casa daquele homem naquela noite. O garoto se voltou ao painel de botões, e apertou vários deles com todo o ânimo descuidado de uma criança levada. Aquilo me deixou um pouco irritado, já que o pai permaneceu impassível. O elevador começou a descer. O homem reprovou, enfim, o ato do moleque com algum atraso. Disse para o menino não fazer mais aquilo, já que tinham outras pessoas no elevador. Eu me mantive quieto, apenas confirmei minha parca paciência com um aceno. A garota levantou o rosto redondo e sorriu para mim atrás do balão colorido, percebendo meu desânimo. O pai mudou de assunto, dizendo para suas crias que tinha preparado um passeio especial naquele sábado. As crianças vibraram com a notícia.
Quinto andar. O elevador para de forma súbita. Tomamos um pequeno susto. A menina se adiantou para sair do aparelho estacionado. A pequena família se despediu. Aquele pai, orgulhoso de seus pequenos seres divertidos se desculpou pelo ato do filho, quando colocou o pé para fora do aparelho.
O elevador agora subia. Parecia que encontraria o meu destino. Apertei novamente o botão “11”. Um novo solavanco na hora de partir, a luz interna do elevador começou a piscar. Sentia que a mecânica daquele meio de transporte não ia tão bem. O botão do décimo primeiro andar se apagou novamente. Imaginei que você já estaria me esperando na porta. Apertei forte o botão do décimo, vou descer num andar abaixo, e tomar o caminho das escadas. Passei pelo sétimo andar, nono andar. A coisa passou batida pelo meu destino. Décimo terceiro, décimo quinto... A cabine tremeu, as luzes dos botões se apagaram, o elevador travou com um sinal sonoro intermitente. A luz interna se apagou. Escuridão.
Tive a sensação de que houve uma pequena queda nos poucos centésimos de segundo de desespero. A cabine devia ter ficado presa pelos cabos de segurança, imaginei. Senti aquele mal-estar nauseante. A viagem era para ser tranquila. Estou preso na caixa de metal, sem saber como de lá sair. Tento apertar no botão vermelho de emergência, ele não funcionou.
Comecei a sentir o gosto na boca da aflição. Lembrei que o elevador era um meio de transporte muito seguro, só perdia para a escada rolante em termos de acidentes por milhão. Seria balela. Queria descer no décimo primeiro, te encontrar, resolver toda a situação. Atrasado para o encontro, tentei imaginar se você perceberia que estou aqui, trancafiado nesta caixa hermética.
Tirei o celular do bolso, sem sinal. Nenhuma nova mensagem sua. Nem de ninguém, nem de nada. Como vou sair dali. Posso demorar alguns minutos, talvez horas, até perceberem que há algo de errado comigo. Passaram-se alguns minutos, pareciam uma eternidade.
Senti um novo tranco que fez tremer o chão. Parecia que o elevador voltara a ser acionado. A luz retornou, o barulho do empuxo do motor era sinal de alguma vida. O elevador voltou a andar, e agora descia, descia, até o lugar mais fundo que ele conseguia chegar. Segui viagem até o térreo, agradecendo aos céus pelo fim da agonia.
Ao sair do elevador, desisti de chegar até o seu andar. Peço desculpas pelo desencontro. Não tenho condições de seguir viagem. Lembrei dos momentos anteriores naquele jardim, os breves encontros com aquela senhora, o rapaz aventureiro, o pai e as crianças, e do seu andar que nunca chegava. Saí daquela caixa de terror desnorteado. Pisei firme no saguão, tomei um pouco de ar. Segui para a saída no prédio e li uma placa em frente à portaria, com palavras destacadas em vermelho, um pouco antes de sair daí para nunca mais voltar:
“É Proibida a Entrada de Pessoas em Situações Estranhas”.
Rio de Janeiro, 3 de agosto de 2025
Imagem por Freepik.






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